segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

17:42 - Os Últimos Minutos



17 : 10 - O Sufoco

A vida deveria ser doce. Ele se lembrava da infância, quando sem muitas ambições sujava as mãos com o melado que a avó fazia e brincava de bonecos com os bolinhos de chuva. Tudo doce. A vida deveria ser doce, não? Mas os anos passam e trazem consigo o efeito destrutivo inexplicável (ou então incompreensível ao homem tão cheio de senso-comum). Agora tudo era tão amargo e ácido que o doce havia ficado nos rodapés das páginas mais antigas. E o sabor doce estava partindo e afundando no passado que agora parecia utopia. O telefone toca repentinamente e ele desperta de seu mísero segundo para devaneios.

- Alô? - Atendeu desanimado. Quem seria agora? Provavelmente o chefe novamente com mais cobranças e cobranças. Talvez um cliente insatisfeito e estressado sem papas na língua para lhe torrar os últimos vestígios de paciência. Podia ser Obama declarando a retirada das tropas. Podia ser Osama se entregando, tanto faz. A rotina era tão banal que a cor havia esvaecido.

- Oi querido! Não se esqueça do nosso jantar hoje, ok? Vou preparar torta de maçã para você. Lara até comprou um sapatinho novo para usar. Estamos feliz que irá jantar com a gente, principalmente para comemorar um dia tão es... - Ele a interrompeu com um grito abafado. Era ela. Alice. A mulher que há doze anos atrás ele havia escolhido para levar ao altar, para colocar uma aliança em seu dedo e beijar seus lábios. E somente com ela se deitou, somente a boca dela ele beijou... Mas no fundo olhava para as mulheres mais jovens - como Alice era há anos atrás, antes de dar a luz à Lara - e desejava se divertir um pouquinho além. Era só desejo. Covarde demais para isso, sem dúvidas. E além de covarde não tinha tempo. Tempo? Adam quase desconhecia essa palavra. Cada minuto era muito precioso, afinal, tinha milhares de relatórios para enviar e analisar.

- Chega, Alice. Eu já tenho problemas demais para resolver e mal tenho tempo para respirar! E ainda tenho que aguentar você me chateando e pressionando com isso... Mas que merda! Não pode jantar sem mim? - Irritadiço e grosseiro. Por um momento a mulher do outro lado da linha se perguntou "Por que eu fui me casar com ele?" mas então se lembrou. Antes de ser gerente de uma grande empresa e um homem de negócios ocupado ele foi um bom namorado. Não tinha muito dinheiro, mas era criativo. Aos finais de semana levava ela para passear em parques e lhe dava uma rosa branca e uma vermelha, recitava belas poesias e era deveras carinhoso. O que aconteceu com todo aquele sonho? O tempo, meus caros. O tempo que destruiu tudo.

- Eu posso, Adam. Mas será que você não entende que não posso continuar assim? Um marido ausente, um pai ausente... Do que me vale ter as melhores roupas, as jóias mais caras se já não tenho mais seu carinho? E você acha que basta para sua filha ter bonecas e mimos? Nós precisamos de você, não do que tem a oferecer. - Há mais de um ano aquele amargo estava preso em sua garganta, mas só hoje, no estopim de sua dor, ela conseguiu desabafar.

- Sinto muito, mas é ingratidão sua. Aposto que se eu não estivesse na posição que estou e não lhe desse todo esse luxo você reclamaria! Bah, vocês mulheres, viu! - Egoísta e cego. O tempo havia causado isso a ele. Era triste de se ver, oh céus. Olheiras terríveis, uns dez anos a mais do que realmente tinha estampados em sua face, alguns cabelos brancos... O que a vida havia lhe causado? Era quase um pacto amaldiçoado. A vida e a felicidade por dinheiro e perda de tempo. Vale a pena?

- Eu gostava mais de você quando tudo que tinha a me dar eram rosas... - E a voz de choro entregou a verdade. A tristeza transbordava de uma mulher deixada de lado por papeladas e reuniões. Muito comum, muito banal. Mas será o certo?

- Então pare de aceitar as jóias e o carro esporte. - O senhor da razão. Estava sempre certo, não havia nada e nem ninguém que fosse maior e mais sábio. E nem mais cego.

E Alice se ofendeu e desligou. Maldito! Por que a tratava tão mal? Será que sua mãe estava certa ao dizer que casamentos, cedo ou tarde, despencam na rotina? Depende. Mas sem dúvidas o de Alice e Adam estava muito danificado, porém a eterna romântica e apaixonada buscava ver solução e saída. Mas já não sabia se suas esperanças era mantidas pelo amor ao marido ou pelo bem-estar da filha.

17 : 22 - A Explosão

- Estressado, chefe? - O jovem estagiário parado na porta do escritório observava o outro que, sentado à frente do computador, puxava o próprio cabelo e bufava mal humorado.

- Muito. Lembre-se de nunca casar, garoto. - Um grunhido que fez com que o rapaz fizesse um grande esforço para ouvir e compreender. - Aliás, não tem mais o que fazer? Acabou o serviço e vai ficar como um abutre aqui na minha porta? Vá trabalhar. - E já era comum descontar seu desagrado consigo mesmo nos outros. Mas ele achava que era só estresse...

"Foda-se" pensou. Precisava sair para tomar um ar ou caso contrário ficarei louco. Ou já estava louco? Talvez, talvez. Despiu o paletó e deixou em cima da cadeira e caminhou apressado em direção ao elevador. Vazio. Assim como Adam. Chegando ao quinto andar (ele trabalhava no décimo terceiro e odiava, pois morria de medo de altura) uma moça loira adentrou. Curvas exuberantes, cabelo platinado e ondulado, lábios carnudos e um sorriso enigmático. Ela sorriu para ele e ele retribuiu. Sentiu-se tentado, como um cão tarado, a agarrar ela ali mesmo. Mas um avisinho em sua cabeça o lembrou de Alice. O jantar. Alice. Lara. Casamento. ACORDA!

Desceu e caminho até a porta de entrado sentindo uma raiva descomunal. Por quê? Não bastava o irritar com perguntinhas impertinentes no telefone e ainda habitava seus pensamentos e atrapalhava possíveis flertes? Medíocre. Saiu pela porta de vidro e esbarrou com um rapaz que estava no topo da escadaria. Um estagiário, peixe pequeno. E Adam já estava à ponto de explodir e... BOOOM.

- VOCÊ É LOUCO? - A mulher de cabelos negros que anteriormente estava ao lado do rapaz gritou. Ela tinha uma expressão aterrorizada e algumas lágrimas escorreram pelos seus olhos. - Alguém me ajuda! Socorro! Patrick! Patrick, você está bem? - E lá embaixo, no final do lance de escadas, estava o rapaz que trombou com Adam. Sangue. Mas ele parecia menos pior do que poderia estar.

Covarde. Ele teve coragem de empurrar o rapaz lá para baixo, mas não tinha coragem de ficar ali e assumir a culpa. Não era homem o suficiente. Nunca foi. Desceu pela rampa de deficientes apressados e correu em direção à...E correu. Correu desesperado sentindo um aperto no peito que nunca sentiu antes.


17: 42 - O Fim

Corria e quase tropeçava nos próprios pés. Sua cabeça latejava, suas idéias voavam e ele não fazia idéia do que fazer. Correu um pouco mais rápido e pode jurar que o farol estava fechado. A b r i u. O farol abriu. E aquela van estava atrasada para entregar a pilha de relatórios e não o viu. PLOFT.














Pi. Pi. Pi. Pi. Pi. Pi....











Ele não vai resistir...


Alguém já ligou para a família?


Ele perdeu muito sangue...











O doce de melado da vovó era bom. Os bolinhos de chuva eram deliciosos. Brinca de subir nas árvores e pintar o rosto no Dia das Bruxas era legal. Gostava de pular ondas nas praias. Gostava de fazer guerra com seus bonecos de chumbo.


O dia em que a conheceu foi o mais feliz, mas por que então se esqueceu? Lá, no fundo de sua memória submersa por dor e preocupações, havia uma lembrança perfeita e intacta daquele dia. Ela estava sentada na biblioteca, tinha os cabelos soltos e um tanto bagunçados, o óculos escorregava pelo nariz e de minuto em minuto ela arrumava. Parecia tão única lendo seu livro da capa verde... Parecia a única para ele. E mesmo covarde se aproximou. Demorou até conseguir dizer algo e feliz ficou ao perceber que ela ou era distraída demais ou o livro interessante demais.

O dia do primeiro beijo foi o mais mágico. Sentia o gosto adocicado de seus lábios, a maciez... O florescer de algo que ele tinha certeza que era amor. O primeiro passeio de mãos dadas. O primeiro filme abraçados no cinema. O primeiro jantar romântico. A primeira noite de amor. Tudo tão único... E lembranças doces soterradas por relatórios massantes. Mas naquele último filete de vida ele pode saborear pela última vez...

Por que o doce tem que perecer ao amargo? A vida era tão doce...

O dia em que Lara nasceu. Oh, minha nossa! Nunca imaginou que seria pai. Nunca esperou que um dia ficaria ansioso em um hospital para, depois de horas, ter em seus braços um ser pequenino e com o seu sangue... E lembrou de como a amou. Desde que estava na barriga e chutava, dando os primeiros sinais de vida, até o dia em que ela deu os primeiros passinhos... Até aprender a primeira palavra, até entrar para a escolinha... E hoje era uma pequena bailarina. Mas ele sempre faltava nas apresentações. E ele mal lembrava como era o brilho dos seus olhos quando dizia "papai".

E então... Quando foi o dia em que ele morreu? Será que foi mesmo às 17 : 42 de uma quinta feira qualquer? Ou foi o dia em que abandonou as coisas que amava pelas coisas que fazia... A morte de um homem nem sempre é quando seus órgãos param de funcionar. Mas sim quando seu espírito deixa de lutar... Quando sua alma se entrega sem lutar.

O mundo está cheio de Adams por aí. Só espero que a maioria não precise de uma morte física para ressucitar sua alma...

"Dizem que o que procuramos é um sentido para a vida. Penso que o que procuramos são experiências que nos façam sentir que estamos vivos."
Joseph Campbell

Um comentário:

G. Harpia disse...

MUITOOOOO BOM!!
Nossa Lih vc escreve muito bem mesmo!
Ilustrei tudo em minha cabeça!!
Parabéns!!!